breve-brevíssimo ou aquele morre-não-morre

Na iminência do incêndio, o inominável já está à espreita. Uma precisão de dar vida a um que toca, machuca. E lá vai o demônio... embaixo da mesa, na ponta dos dedos, pelas costas, beiço colado ao ouvido esquerdo. De mãos dadas com o diabo, vou ao caminho de Deus. Re-bento. Antes de Maria cerzir as próprias fissuras, o batismo é consumado – a obra já nasce benzida pelo coxo. Fruto de vosso ventre maldito e da maldade de escrever. Ficamos assim: Deus é o significado, o diabo, o significante.

quinta-feira, 7 de abril de 2005

 
[parte 1]
Todo encolhido, e retorcendo com grande esforço seu corpinho, olhava pelo vão que a porta entreaberta denunciava: um vulto. Assustou-se. Os olhinhos: arregalados, eram agora grandes e estalados; o coração: batia tão célere que parecia soar por todo o ambiente, retumbante. O que teria sido aquilo? Sua consciência ainda incipiente já era dada ao pensamentear, repleta de faíscas que iluminavam e morriam, pirilampos serelepes de vida curta, vaga-lumes que acendiam uma idéia no mesmo instante que a apagavam. Um dia, excitado com a grande idéia que lhe ocorrera, voou para contar para alguém, mas, no corre-corre das perninhas ágeis, a maldita lhe escapou e nunca mais ele soube dela. Suspirou triste, tão profundo. Encheu o peito de ar, tomou coragem por alguns segundos e correu para aquele vão. Era sua chance de abandonar as nuvens, era a fechadura do mundo. E pôs-se a olhar: outro vulto. Segurou firme, desta vez. Veio-lhe uma vontadezinha de chorar, segurou-a também. E pôde olhar mais nitidamente e, o que viu, foram seqüências de vultos não-sincronizados, cada qual com seu estranho ritmo e movimentos próprios. Esses vultos foram tomando forma, sendo personificados, ganhando corpo humano... Pôde contemplar claramente agora: num palco encantado e suspenso pelo branco-infinito, almas-movimento serpenteavam pelo local de maneira disforme e sem cadência.

segunda-feira, 4 de abril de 2005

 

Morte e vida na Alpha 60

Comecei tarde. Escrever é não morrer. No fundo, devo ter me perdido em algum canto dessa existência que eu construí à margem da Grande Existência - que sempre foi tão pequena aos meus olhos...
Morri cedo. Desisti antes mesmo de ouvir o meu sino de ouro tocar. Deixei pra lá. Hoje, o sentido não faz mais sentido. Não importa. A desilusão corroeu o então-já-tão frágil liame que ia das importantes questões metafísicas ao doce-prosaico cotidiano - tão doce, tão medíocre...
O morrer-renascer-morrer de todo dia. De cada breve-brevidade. De cada inter-rompimento da atividade-escriba. Meu desdém. No registro e no descaso. No registro e na desistência. No registro e no abandono de seu significado. No medíocre registro da mediocridade e de toda falta de sentido que construímos e reconstruímos: sentido.

[hesitou entre parar por aqui e rasgar a folha de papel, como já desejou tantas vezes...]

Me perdi. E agora o sei. Esqueci meus fragmentos por aí. Em algum balcão de biblioteca pública. Em algum banco de metrô hiper-lotado. Em algum gesto de alguma vida da qual não faço mais parte. Em algum olhar... em olhar nenhum, porque nunca tive essa presença de espírito. Careço disso que chamam "presença de espírito".
Perdi o norte, a identidade, o tom.
Deixei pra lá.

[fez pausa para si mesma; esperou-se... e, quando do retorno,]

Quando de minha morte, quando do fim da escrita e do gesto, façam uma festa com pompa, folia e confete. Cerimônia, ritual e teatro. Sacrifícios, sorrisos e toques. Bolinhas de sabão. Façam arte, façam alguma maldade.

[soltou o lápis como num reflexo: pôde vê-lo ainda deslizar por entre os vãos do tecido-saia. Faleceu. E, em seguida, alguém veio lhe chamar pra "dar um jeito na vaca da coordenadora de Pós, que não gostou do enfoque dado à matéria sobre a última sabatina com os pesquisadores de comunicação, sobretudo, pela linha fina 'injusta e difamadora' e que espera no telefone"]

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