breve-brevíssimo ou aquele morre-não-morre

Na iminência do incêndio, o inominável já está à espreita. Uma precisão de dar vida a um que toca, machuca. E lá vai o demônio... embaixo da mesa, na ponta dos dedos, pelas costas, beiço colado ao ouvido esquerdo. De mãos dadas com o diabo, vou ao caminho de Deus. Re-bento. Antes de Maria cerzir as próprias fissuras, o batismo é consumado – a obra já nasce benzida pelo coxo. Fruto de vosso ventre maldito e da maldade de escrever. Ficamos assim: Deus é o significado, o diabo, o significante.

domingo, 28 de janeiro de 2007

 
A intervenção da vez invadiu um vagão da linha 1 azul de metrô e vinha pela voz murcha e inerte da mulher maltrapilha que segurava uma criança no colo, na cadência típica dos pedintes já gastos das locomoções públicas, nos versos vomitados em toada única. Se gastos estão, gastos também são os ouvidos dos usuários escaldados de tantos dias seguidos de tantos dias seguidos de tantos dias que, de tantos, não passam de quaisquer, mais uns, mais uns momentos, iguais, de igual existência precária, corpo e alma fatigados - punhados de cenas que se repetem. E eles que, na luta por um espaço entre abarrotados vagões de períodos-de-pico, na briga pela sobrevivência até o fim do trajeto, que sonha pela conquista do bate-cartão, eles.
E ela ia cantarolando ladainha, a mulher-esfarrapo: os olhos fundos, foscos, famintos; a pele manchada, ressequida, de um preto cinzento. Com a criança pequenina, que quase some nas mãos dela, compõe personagem de Portinari. Cândida, a voz passeia lenta, longa, lenga, lenga, lenga. Serpenteia pelo vagão, vai, volta; reverbera nos nossos ouvidos; caminha entre os assentos e os usuários; invade conversas, monólogos, solilóquios, diálogos interiores; remete a momentos; revolve lembranças, emoções, causando... interferência. Vozes que convergem, se imiscuem. Ruído.
- Pááára cu'issu.
Vozes sobrepostas, ritmos dissonantes.
- Eu ti conheço, cê fala todo dia a mesma coisa.
Vozes que conflitam, buscam espaço comum entre os espectadores.
- Essi filhu nem devi sê-sêu.
A um metro de distância, o homem-fantasma. Empoleirado nos apoios do vagão, metralha a cantoria alheia. Aos resmungos, enfraquece discurso da mendicância. Estações que passam, se alteram, outras...

Comentários:
dos textos esboçados.
 
Uia! Tem coisa nova aqui!!
 
Bom ler seus textos.
Inquietantes.
 
Renasceu!
 
É muito bom ver um texto novo no blog. Quanto mais um texto tão bm.
 
hey... achei seu blog da maneira mais internética possível. Um amigo me deixou um scrap dizendo que como eu gosto de literatura era pra entrar aqui. Entrei e puxa, belo texto. Escreve há quanto tempo? Sempre tentei escrever algo sobre essa coisa do trem (costumo pegá-lo bastante), mas o assunto sempre me foi forte e delicado de mais. Você parece ter tomado a medida certa, parabéns. Frequentarei mais aqui.
Bjo!
 
Gênio Landin!

Agora destila o resto do veneno! Conta pra tia, conta...
 
Não sei como vim parar aqui. Sei que levei um susto, por ver que havia algo ainda não lido e por redescobrir como suas palavras causam qualquer coisa aqui dentro.

Como não tenho escrito nem mesmo bilhetes pedindo pra que minha mãe me acorde às nove horas, fico com inveja e queria ter essa sua malemolência pra juntar palavras.

Te beijo.
 
Depois de 100 comentários, vc troca o post.
 
desembarque pelo lado esquerdo do trem....
 
"eu começo a sentir a embriaguez a que essa vida agitada e tumultuosa me condena. Com tal quantidade de objetos desfilando diante de meus olhos, eu vou ficando aturdido. De todas as coisas que me atraem, nenhuma toca o meu coração, embora todas juntas perturbem meus sentimentos, de modo a fazer que eu esqueça o que sou e qual meu lugar."
 
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