Na iminência do incêndio, o inominável já está à espreita. Uma precisão de dar vida a um que toca, machuca. E lá vai o demônio... embaixo da mesa, na ponta dos dedos, pelas costas, beiço colado ao ouvido esquerdo. De mãos dadas com o diabo, vou ao caminho de Deus.
Re-bento. Antes de Maria cerzir as próprias fissuras, o batismo é consumado – a obra já nasce benzida pelo coxo. Fruto de vosso ventre maldito e da maldade de escrever.
Ficamos assim: Deus é o significado, o diabo, o significante.
- livre(e lirica)mente adaptado de (e inspirado por) Crônica Oriental 01. JORDANI, Felipe. 2004. geocities.yahoo.com.br/f_jordani/blogover
Prontos para um recorte delicado?
Na capela do alto da montanha mais insigne e íngreme da microilha asiática mais perdida e, igualmente esquecida, do oceano Pacífico, encontravam-se cabecinhas nada hirsutas. Singela capela de aspecto respeitoso, como se fosse egressa de um filme de Kurosawa ou Imamura, talvez. No âmbito interno, corredor estreito, escuro. Nele, as cabecinhas nuas seqüenciam-se. São aprendizes, obedientes. Ao fundo, o monge-mor. Mestre Gafanhoto lança olhar severo e inspetor sobre os pequenos. E a imagem que seus olhos obtiveram foi a de uma continuação dupla e reta de esferas brancas e imóveis. Ah, seus pupilos. Deles, exalava o odor de banho que só os infantes - os pueris infantes - são detentores; com aquele quê de espuma, sabão e ingenuidade. Virou-se e, no instante que perdurou seu presto movimento, ouviu-se [Nota da "autora": esse é o momento em que me entrego e indago-lhes: como dizer isso de forma lírica? Como transformar um ato tão prosaico e reles num ato com ar de poesia? Mas que questões são essas, não é capaz de enxergar o óbvio? O óbvio: é provável que essa seja a cena mais lírica e sensível abordada por ti, autora ignara. O que é mais poético e tocante que um ato espontâneo de uma criança? Meus olhos brilham nesse momento... e corro agora rumo ao meu pequeno infante ... e o que se ouviu foi] um envergonhado e desajeitado flato. Foi aí que o excesso de gases no tubo digestivo do terceiro pupilo da segunda fila sonorizou-se e tornou-se evidente. As outras cabecinhas nuas não seguraram o riso abafado - ó, singelo escracho das crianças. Ó, imagem burlesca -, daqueles que escapam sem volta. Aquelas esferas, em formato de pomo, despidas de qualquer pêlo ou fio capilar, a despeito da nítida agitação provocada pelo ato solene - ah, o "cheiro destoante" -, mantinham um ar circunspecto advindo do traje uniformizado - vestiam túnicas branquíssimas -, remetendo a cenas seculares, incólumes ao desgaste do tempo e presentes num específico imaginário coletivo. Nisso, o Mestre, implacável, já anunciava o castigo. E o que se sucedeu foi que o agora célebre "terceiro menino da segunda fileira" teve de se postar frente ao grupo e entoar os versos da ducentésima primeira (?!) poesia do Grande Livro de Poesias:
Quando a folha cai
Quando o vento chora
Quando a vida pára
Quando o dia acaba
Ow, puxa, ele se equivocou no quarto verso.
Quando a folha cai
Quando o vento chora
Quando a vida pára
Quando o dia retorna!
De recompensa, recebeu uma dura cajadada de seu Mestre na pobre cabecinha nua - tão nua como as outras, mas agora tão dolorida e humilhada como nenhuma outra - e engoliu o choro que se avizinhava, uma enxurrada de lágrimas foi o que teve de conter. Retornou, encabuladamente derrotado, ao terceiro lugar da segunda fila... quieto, pálido. O desejo do bocejo e o peso nos olhos atingindo a todos denunciava o toque para se recolherem. E assim se fez a vontade divina: Mestre Gafanhoto ansiou por uma verdadeira noite de descanso às cabecinhas e cada qual rumou para seu dormitório destinado.