breve-brevíssimo ou aquele morre-não-morre

Na iminência do incêndio, o inominável já está à espreita. Uma precisão de dar vida a um que toca, machuca. E lá vai o demônio... embaixo da mesa, na ponta dos dedos, pelas costas, beiço colado ao ouvido esquerdo. De mãos dadas com o diabo, vou ao caminho de Deus. Re-bento. Antes de Maria cerzir as próprias fissuras, o batismo é consumado – a obra já nasce benzida pelo coxo. Fruto de vosso ventre maldito e da maldade de escrever. Ficamos assim: Deus é o significado, o diabo, o significante.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

 

Des-honra.


A Patricia Misson




Ah, o movimento interior, o estardalhaço intrínseco a que entro em contato ao te permitir todas as noites.


Algo que não retenho nem compreendo, leiga e alheia que sou, me acorda na cadência das horas negras. Me sopra barbaridades no ouvido direito. Vem bulir de madrugada. É um espírito ruim e coxo, que debocha do meu pudor, da minha higiene íntima, das pregas intactas do meu cu.

Sou mosaico de retalhos, costuras, fissuras, arrombamentos. Acendendo duas velas, uma pra deus e a outra, irmanando-me com a primeira puta espancada desta madrugada, humilhada, corpo estilhaçado estendido no colchão úmido, boceta arrebentada pelo gargalo da garrafa de cerveja.

Principia num gelo apavorado que desce deslizando pelo dorso e pára no acento agudo e convexo da cervical, pedra fria que frita no lombo em chamas e depois chora. Um saber sem saber. Daí vem os cheiros dos fluídos todos mais o suor, o sebo da nuca e dos fios de cabelo pousados nos lábios. Um cio que rasga a noite da cidade. E então concebo presença.

Miríade de olhos invisíveis: abrem-se aos estalos, paulatinamente, espocam em diferentes pontos do espaço, luzes que descortinam a oferta de deleite; então escondida pela penumbra, é agora exposta no proscênio. E ficam a cuidar e a rodear, perfazendo uma mandala diabólica de êxtase. Vigiado, imóvel, um corpo vulnerável se revela na ribalta, ao sabor dos desejos da audiência sedenta, e, depois, alvo de vozes e toques, é objeto de um rito de cânticos momescos, um assédio suprasensorial.

Ergo-me em sobressalto e é tudo mansidão de repente, coexistindo apenas respiração e desvario. Urro com tudo do de dentro, insensata, tomada, arranhando a garganta porosa. E o olhar que me diz em silêncio, mesmo sem querer ser mensagem, quando contempla - porque eu sei que me vê -, é de uma eloqüência muda.

Em suspenso mantenho a noite. A vida toda por um momento de lucidez, de embriaguez; estar de fato imersa no Sentido. A poesia desse desespero, das lágrimas que me correm, fervilhosas, incandescentes e tudo num arrebatamento que experencio consciente, luminosa e, enfim, comovida com esse deus que me invade de todo, por dentro de mim. E avança, demoníaco. E o meu dentro é agora de oração, de prece comungada com um falo há muito excomungado, que me ocupa as dimensões todas, os orifícios – vermelhuscos, gelatinosos, imensas dilatações oceânicas que abrigam esse Senhor que me detém e rende.





















O diabo me rodeia. Meto-me à escrita, à procura de um Deus. Não sei o que fazer com essa mácula. As palavras começam a me despetalar

Comentários:
Patricia Misson. Onde estás?
 
Eu, que tantas vezes defendo o discurso do pai...

[começa assim um romance que nunca escrevi]
 
Obrigada pela visita ao meu blog, moça.

É, sou quase uma senhora D. mesmo.

Beijos.
 
E seu blog é fodasticamente bom.

Virarei leitora; parabéns.
 
Eu te entendo:
Nelson Rodrigues sempre me parece mais provável em dias como esse.
 
uau.
 
Oi, Dani. Não sei se tenho o seu email certo, por isso não resolvi arriscar. Passei por aqui para dizer que adorei a boa surpresa de te ver pelas minhas gavetas.

Espero que tenham falado bem, hein?
=)

Beijos e saudade!
 
Eu acho mesmo que é o corpo, as palavras amontoadas acabam se levantando, acho que dá pra ver algumas se movendo, se prestarmos atenção e esse levante (as palavras) grita porque a carne precisa, não sei se é desejo ou se algo dói.

- Ui.

Essa coisa de arrancar uma sílaba da ponta de uma frase, sai um pouco de sangue. Pior é ver uma subordinada mutilada. Por isso que eu costumo preferir as coordenadas, elas são como lagartixas que perdem seus rabos, mas, caramba, há espaço para todos os tipos.
 
"Sou mosaico de retalhos, costuras, fissuras, arrombamentos."

Sade pós-moderno...uma reinvenção do que ainda falta inventar...
 
Tenho relido, desde que soube. E agora que busco não associá-lo diretamente à dedicatória, algumas frases ganham sentido. Sem dúvida, fala-se de Deus.
 
Impressionado demais com a sua escrita que chega a me constrager...

Fato: não sei o que dizer sem ser o clichê: "Belo texto", que fato 2: não dá um valor real ao que senti aqui.

Mas acho que nesse meu "não falar" acabei por expressar, mesmo que de forma confusa, o que senti por aqui.

Quero voltar.
 
Penosas e contraditórias relações entre obsessor e obsediado, provavelmente responsáveis pela intensa dualidade e pelas idéias distorcidas sobre o divino e o profano.
Mas é claro que a obsessão não ocorre sem o consentimento consciente ou não do ser obsediado: a afinidade das vibrações energéticas une os campos mentais dos dois seres, gerando confusão sensorial, idéias inoportunas, ações nefastas.
Há quanto tempo estão juntos? Dias, meses, séculos? É preciso estar atento e vigilante para não perder o controle de nossas próprias mentes.
E quando tiver uma idéia brilhante, por Deus, não eleve seu ego aos templos do orgulho. Platão já dizia: conhecimento não é outra coisa senão a memória universal.
 
Desconfio de todo homem que já encontrou o seu Deus. E nessa categoria entram religiosos, marxistas e torcedores de futebol.

[sobre o comentário acima]
 
O Controle das Mentes ou Pode Deixar Que Vigio Meus Passos, Papai. Vendo exemplar quase novo por R$ 5,00.

Ass: Outro Anônimo Corajoso.
 
Onde o anonimato guarda a sua coragem?
 
Sobre "Deus: o significado, o diabo o significante":
- boa!!
- boa acepçao para o Grande Outro (Deus) referência maior a linguagem,posta por cima dos Ideais.
- e o gozo como mal e trágico(entre um significante e outro, a zona amorfa do real, diabólica).

(Tenho impressão que vai odiar meu comentário só porque ele lacanmatiza o seu!)
Estarei errada?
 
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