Na iminência do incêndio, o inominável já está à espreita. Uma precisão de dar vida a um que toca, machuca. E lá vai o demônio... embaixo da mesa, na ponta dos dedos, pelas costas, beiço colado ao ouvido esquerdo. De mãos dadas com o diabo, vou ao caminho de Deus.
Re-bento. Antes de Maria cerzir as próprias fissuras, o batismo é consumado – a obra já nasce benzida pelo coxo. Fruto de vosso ventre maldito e da maldade de escrever.
Ficamos assim: Deus é o significado, o diabo, o significante.
A Patricia Misson
E dizem que ela ia balançando a sainha que subia e descia nas coxas azeitadas. Umas pernas que sambavam, meu Deus. Um passo mais assim e já mostrava as dobras, os culotes caprichados, os sulcos e todas essas coisas que as mulheres de verdade têm. As têmporas molhadas, os fios negros umedecidos pelo suor dos movimentos de há pouco. Amorenada, de beiços e tudo, e uns olhos de. E dizem que ia. No rebolado do andar, ainda guardava no corpo encharcado de rum o ritmo diabólico da dança, tinha quê de santeria. A pele trazia o fartum dos charutos que pendiam das bocas dos senhores rotundos. Na memória, as melodias todas e a orgia dos corpos no salão – mosaico de balés infernais.
E dizem que vinha da casa de show mais suja e famigerada da Velha Havana, cortando o silêncio sonolento daquelas alamedas, acordando espíritos e entidades. Despertava a recente manhã daquelas ruas antigas, povoadas de bares e mulheres envelhecidas que contavam as histórias dos tempos outros, coloniais – relatos enfeitiçados pelo tempo.
Em cadência sincopada, tomou a rua do Obispo, onde os deuses do comércio ainda não ardiam, febris. Chegando ao porto, de onde antigamente se partia e vinha da Europa, sentiu. Num simplesmente, sentiu-se. Percebeu-se e descobriu que era.